Director de Curso (4)
Entrevista.com, 28.02.2018
“…a entrada no mercado de trabalho, para um licenciado em filosofia, não é propriamente fácil…”
O UMdicas esteve à conversa com Pedro Martins, para quem ser diretor de curso é, apesar de todas as dificuldades “um cargo compensador e estimulante”. O diretor afirma a utilidade das ferramentas filosóficas nas mais diversas áreas da vida, uma formação de base que fomenta o “pensamento crítico” e por isso útil a qualquer pessoa, de qualquer área.

Qual a sua formação e trajeto académico?

O percurso normal num Diretor do Curso de Filosofia: Licenciatura em filosofia (Universidade Nova de Lisboa), Mestrado em História Cultural e Política (Universidade Nova de Lisboa) e doutoramento em filosofia (Universidade do Minho). (Na verdade, excetuando algumas Unidades Curriculares opcionais pertencentes a outras áreas – os cursos de filosofia apresentam um currículo composto quase exclusivamente por UC’s que se enquadram em diversas especialidades da filosofia (como a ética, lógica, filosofia política, estética, filosofia antiga, etc). Atendendo ao facto de ser uma exigência regulamentar os Diretores de Curso serem professores desse mesmo curso, entende-se que os diretores de curso sejam sempre professores de filosofia, não obstante a sua especialização numa ou mais áreas específicas.)


Como caracteriza a sua função de diretor de curso?

A função de Diretor de Curso, hoje em dia, é bastante absorvente, complexa e exigente, com uma forte componente burocrática e de gestão (desenho de horários, elaboração de relatórios, reuniões, preenchimento de plataformas, atendimento de alunos, coordenação pedagógica do curso, etc) mas que também envolve dimensões de gestão de natureza interpessoal e um constante trabalho em equipa (mediação entre professores e alunos; e entre, professores, alunos e diversos organismos da UM, Conselhos Pedagógicos, Departamentos, G.A.E.,etc).

O que o motivou a aceitar “comandar” este curso?

Em primeiro lugar, o sentido de dever e lealdade institucional para com o Departamento de Filosofia e este marcante projeto de ensino, no qual sempre acreditei e participei, como docente da Unidade Curricular de Filosofia em Portugal I e membro da Comissão de Curso, desde a sua criação e entrada em funcionamento, no ano letivo de 2006/2007.
Em segundo lugar, apesar de todas as dificuldades referidas – além de outras – e descontada a árida componente burocrática, este cargo, acaba por ser, a nível humano e profissional, um cargo compensador e estimulante, por diversas razões que seria difícil resumir aqui mas que se prendem fundamentalmente com a excelente avaliação do curso por parte dos alunos, com a sociabilidade e laços – afetivos e intelectuais - que se têm gerado entre alunos e professores, ao longo de uma década; enfim, pelos bons frutos, do ponto de vista da formação, que o curso tem dado. É sempre muito entusiasmante testemunhar o percurso académico e profissional bem-sucedido dos nossos alunos e as boas recordações que levam daqui.


As experiências anteriores têm-no ajudado no cumprimento da sua função de diretor de curso?

Não há dúvida que sim. Além da experiência pedagógica, de mais de vinte anos, na área da filosofia, o facto de sempre ter feito parte da Comissão de Curso de Filosofia, proporcionou uma boa preparação prática para o tipo de desafios e problemas que enfrentamos na Direção do Curso. O desempenho de outros cargos de gestão a nível do ILCH, como diretor de departamento, também proporcionou uma boa preparação técnica e prática para as questões burocráticas e administrativas, além das humanas.

Quais são as maiores dificuldades no cumprimento da sua função?

O excesso e a complexidade da burocracia. A burocracia, além de ocupar muito tempo, que poderia ser empregue em tarefas mais criativas (científico-pedagógicas) e mais úteis ao curso e à Universidade, desmotiva e cansa as pessoas, manieta o espírito de iniciativa e até a criatividade. Em segundo lugar, as dificuldades, devido à austeridade, que se têm sentido na contratação de recursos humanos (docentes e não docentes). Isso tem obrigado, no caso de algumas UC’s, a celebrar contratos precários e a 0%, o que não é a situação ideal, por várias razões facilmente imagináveis.

No seu entender, porque é que um futuro universitário deve concorrer à Licenciatura em Filosofia?

Do ponto de vista da formação intelectual, pessoal e até técnica (em determinados domínios como a argumentação), poderia referir um conjunto de boas razões para escolher este curso, se o compararmos com outros cursos de humanidades. Aliás, nos países anglo-saxónicos, existe uma perceção e cultura distintas em relação à formação em filosofia. Nesses países, o valor e utilidade da formação filosófica, seja em que ramo profissional for (mas em especial no domínio empresarial) são muito apreciados. Porquê? Na verdade, um bom curso de filosofia, pelas competências e ferramentas intelectuais, cognitivas e argumentativas que desenvolve e exercita nos alunos, pode ser útil nas mais diversas áreas da vida pessoal, cívica e até em várias profissões, não necessariamente ligadas às humanidades. Não é por acaso que grandes cineastas, empresários, políticos, jornalistas oriundos desses países são, por vezes, licenciados em filosofia.
Um curso de filosofia melhora o desempenho no âmbito daquilo que se designa vulgarmente como o “pensamento crítico”, o qual envolve várias competências e aptidões (como a capacidade de avaliar argumentos, teorias, problemas, crenças, opiniões, etc). Se virmos bem, a filosofia (apesar de ser tida como um saber meramente “teórico” e por isso inútil) acaba por ter implicações muito práticas. Simon Blackburn, um filósofo contemporâneo, explica isso muito bem (em Simon Blackburn, Pense – Uma introdução à Filosofia, Lisboa, Gradiva, 2001, p. 12). Ele considera a filosofia como “engenharia conceptual”. Afinal de contas, (os exemplos estão a vista de todos) as crenças e ideias que temos acerca de tudo, em qualquer dimensão da nossa vida, influenciam diretamente a prática, os nossos comportamentos, atitudes e decisões. Logo se, por via da filosofia, os reavaliarmos e mudarmos, isso pode ter implicações bastante práticas.
Mais, atendendo aos complexos problemas morais, políticos, sociais e económicos que hoje enfrentamos num mundo globalizado e multicultural - que podem inclusivamente levar à destruição da nossa civilização e do nosso mundo – cada vez se torna mais patente que as tecnologias e os saberes aplicados – embora nos possam ajudar a resolver muitos problemas – não permitem resolver todos os problemas, visto que muitos dos principais problemas que enfrentamos (por exemplo, os problemas ambientais) têm a ver com uma focagem mais global e abrangente, mais humana (se quisermos), têm a ver com aquilo que pretendemos fazer das nossas vidas, sociedades e até do no nosso mundo, ou seja, com questões de ética, filosofia política, epistemologia, estética, entre outras áreas.
Além disso, não se pode pensar na Universidade como tendo um papel formativo meramente utilitário e vocacionado para uma utilização imediata no sistema de produção.  Numa sociedade democrática e complexa como a nossa, uma formação intelectual cuidada, como a proporcionada pela filosofia, além das competências profissionais, permitiria formar cidadãos mais conscientes, críticos e esclarecidos, o que já não é pouco.
Por fim, como procurarei mostrar, a licenciatura em filosofia é uma boa formação base a nível do 1º ciclo para quem pretenda enveredar por pós-graduações em diversas áreas (como as ciências sociais e humanas, a economia, comunicação social, etc).


Quais são, na sua opinião os pontos fortes deste curso? E os pontos fracos?

Entre os “pontos fortes” do curso destacam-se os seguintes:
- Curso que tem quase sempre registado uma procura relativamente alta, tendo-se verificado quase sempre, até hoje, o preenchimento de todas as vagas na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior.
- Forte empenho e elevada preparação científico-pedagógica dos docentes, o que se tem traduzido em boas avaliações do seu desempenho, por parte dos alunos.
- Interesse e empenho de uma boa parte dos alunos.
- Existência de Unidades Curriculares também procuradas por alunos de outros cursos.
- Envolvimento dos estudantes e do seu núcleo (NEFILUM) com a Direção do Curso, na organização e participação em atividades como Receção aos novos alunos, Lição Inaugural do Curso, Jornadas da Licenciatura em Filosofia, Jornadas ILCH, Comunidade de Leitores de Filosofia, Jantar de Finalistas, entre outras.
- Com base nos dados estatísticos fornecidos pela Universidade do Minho, tem-se verificado que o índice de empregabilidade do Curso é relativamente bom em relação à generalidade dos cursos de humanidades.
Quanto aos pontos “fracos”:
- Excesso de burocracia e dificuldades na coordenação entre diversos organismos da Universidade, o que dificulta a organização e funcionamento do curso;
- Uma incidência relativamente elevada de abandono escolar, em muitos casos por razões económicas mas também por razões vocacionais;
- Um dos problemas maiores do curso tem a ver com algumas carências a nível dos recursos de humanos (quer docentes, quer não docentes); mais concretamente, isto tem impossibilitado a celebração de contratos de trabalho condignos a alguns dos docentes mais jovens, apesar do seu empenho, dedicação e elevadas qualidades científico-pedagógicas.

O que caracteriza este curso da UMinho, relativamente aos cursos de Filosofiade outras universidades?

Eu diria que este curso, apesar de ser relativamente jovem (acabou de celebrar o seu décimo aniversário), já tem uma “identidade” bem consolidada. Isso acontece porque tem características, do ponto de vista curricular e do modelo de funcionamento, que o diferenciam, pela positiva, de qualquer outro curso do país. Isso até foi salientado pela Comissão de Avaliação da C.A.E. A3ES, num processo de avaliação e acreditação recente, em que o curso obteve uma avaliação excelente e foi reconhecida a sua qualidade.
Além de contar com um leque de professores extremamente bem preparados e dedicados, tanto do ponto de vista científico como pedagógico, que estão sempre disponíveis para atender os alunos e orientá-los nos seus estudos, as relações entre alunos e professores, neste curso, sempre foram abertas e informais, o que é percecionado e reconhecido, com mais clareza, sobretudo quando alguns antigos alunos têm outras experiências formativas, quer em Portugal, quer no Estrangeiro.
Mas convém destacar um aspeto, sem prejuízo de algumas inovações a nível do plano curricular (a inclusão de uma UC de Filosofia da Tecnologia) que é constitutivo da marca própria que demos a este curso e que o torna único no país. Com efeito, neste curso, a formação filosófica não passa apenas pela frequência das aulas, pelo estudo e trabalho normal nesse âmbito (em termos de avaliação e provas). Passa também por uma outra dimensão de natureza extracurricular e paralela/complementar às atividades letivas. Aí se podem exercitar, na prática, as competências filosóficas.
Com efeito, o nosso departamento é extremamente ativo no tocante à investigação e à realização de atividades abertas à comunidade (como a Comunidade de Leitores de Filosofia, em que os alunos participam ativamente) ou de cunho mais científico (congressos e seminários, grupos de discussão e leitura, projetos internacionais de investigação, Lição inaugural do Curso). Nessa medida, praticamente todas as semanas, os alunos podem participar em eventos como congressos e seminários em diversas áreas da filosofia. Nesse contexto, podem tomar contacto com os contributos de alguns dos mais importantes nomes nacionais e internacionais da filosofia contemporânea. Da mesma forma, os alunos também são estimulados, por via do N.E.F.I.L.U.M. (Núcleo de Estudantes de Filosofia da Universidade do Minho) a organizarem eles próprios, e com total autonomia – embora com a ajuda e colaboração dos professores - atividades sobre temas que despertem a sua atenção e interesse. As Jornadas de Filosofia, além de outras atividades que têm sido organizadas pelos alunos (como os cinema filosóficos e até atividades de convívio), têm sido um sucesso estrondoso e são, a nível do ILCH e da UM, um exemplo excelente da dinâmica que se tem gerado à volta deste curso. Através da participação nestas atividades, os alunos não desenvolvem apenas as suas competências filosóficas mas também ganham algum currículo, aptidões organizacionais e de trabalho em equipa, já para não falar da vertente social, que também é importante. Não há dúvidas que o N.E.F.I.L.U.M., pelo seu papel integrador e dinamizador, tem sido um dos fatores cruciais para o sucesso deste curso.
Para conhecer de uma forma mais concreta estas atividades basta consultar as notícias patentes na página do curso no facebook, recentemente criada: https://www.facebook.com/cursofilosofiauminho/
Devemos destacar ainda outros fatores que podem ser considerados vantajosos, como o acesso rápido à informação, as facilidades disponibilizadas pela universidade em termos informáticos e outros, a excelente qualidade das bibliotecas.

Existem hoje em dia existe excesso de profissionais em determinadas áreas. O que podem esperar os alunos da Licenciatura em Filosofia quanto ao mercado de trabalho?

Obviamente, tal como sucede com muitos outros cursos (de todas as áreas científicas e não apenas de humanidades), a entrada no mercado de trabalho, para um licenciado em filosofia, não é propriamente fácil e pode não corresponder às expetativas. No entanto, se analisarmos, objetivamente, os índices de empregabilidade (é uma das tarefas que um Diretor de Curso tem de realizar no final de cada ano letivo), com base nos dados estatísticos fornecidos pela UM., temos verificado, com ligeiras oscilações, que o curso de filosofia tem resultados melhores do que outros cursos. Curiosamente, não será dos piores em termos de empregabilidade. Claro que estes dados estatísticos não são indicadores absolutamente fiáveis e podem não dar uma imagem fiel da realidade.
Há umas décadas atrás, a ideia dominante era que o curso de filosofia só poderia servir para dar aulas no ensino secundário ou para seguir uma carreira académica. Hoje em dia, são poucos os alunos que pretendem seguir a via profissionalizante do ensino. Na verdade, não podemos esquecer que, devido à forma como a reforma de Bolonha foi implementada em Portugal, as licenciaturas, de um modo geral, são um ciclo de formação relativamente curto (três anos). Constituem um ponto de partida e não um ponto de chegada. Para quem pretenda prosseguir os seus estudos a nível de pós-graduação (mestrado e/ou doutoramento) numa vertente mais prática/ profissionalizante ou até mais especializada, mesmo em áreas como as ciências sociais, as humanidades, a gestão, a economia, a comunicação social, etc. o curso de filosofia, pelos horizontes e ferramentas que proporciona, tem-se revelado uma excelente opção. E, de resto, tenho conhecido diversos exemplos de alunos nossos que têm seguido, com sucesso, este caminho.
Finalmente, a empregabilidade nas humanidades, em especial na filosofia, não se pode pensar, hoje, em termos tão simplistas. Tem de se dar a volta à visão tradicional que referia há pouco sobre as saídas profissionais. Hoje, a empregabilidade de um licenciado em filosofia pode não ser tão imediata como em outras áreas mas poderia acontecer – como acontece aliás em outros países – caso se reconhecesse o papel das humanidades, em especial a filosofia, para desenvolver determinadas competências que podem ser extremamente úteis à sociedade e até às empresas. Uma delas é a capacidade de argumentação mas também a capacidade de analisar todos os problemas humanos de uma forma mais global e integrada, nunca de uma forma estreita, rígida e redutora (por exemplo: estritamente tecnológica ou económico-financeira). Mas também podemos ver o papel prático da filosofia (em todos os campos da ação) de outra forma: se os nossos comportamentos e hábitos são determinados por ideias e conceções do mundo e da vida e se o trabalho da filosofia é precisamente analisar as bases dessas ideias e conceções, o que pude conduzir a uma revisão profunda ou mesmo uma mudança drástica no nosso pensamento, é fácil perceber as implicações práticas que a filosofia pode ter na nossa ação, seja em que domínio for…


Quais são os maiores desafios de um recém-formado em Filosofia?

Eu diria que são dois: caso escolha a via que referi atrás (prosseguir os estudos a nível da pós-graduação), optar pelo curso certo em termos vocacionais, que pode até ser na área da filosofia; conseguir encontrar uma ocupação, seja em que área for, que lhe dê realização pessoal, satisfação e seja compensadora em termos financeiros. Eu acredito, falo por experiência própria, que seja qual for a ocupação profissional ou área em que trabalhemos, as “ferramentas” filosóficas revelam-se sempre úteis.

Quais são as prioridades do curso nos próximos tempos?

Continuar a desenvolver todos os esforços, ainda que os recursos disponíveis não sejam os ideais, para melhorar a qualidade científico-pedagógica do curso, tornando-o ainda mais procurado e atrativo. Manter a mesma ambição, que nos tem orientado, desde sempre, a de tornar este curso de filosofia o melhor do país!

Texto: Ana Coimbra

Fotografia: Nuno Gonçalves

Arquivo de 2018