Hugo Carvalho (2)
Entrevista.com, 13.11.2018 às 11:55
“Um português com vontade de fazer coisas”
O jovem que já passou pelo associativismo estudantil e pela Federação Académica do Desporto Universitário é o atual Presidente do Conselho Nacional da Juventude. “Um português com vontade de fazer coisas”, é assim que se define Hugo Car­valho. Presidente do Conselho Nacional da Juventude desde 2016, o jovem que já passou pelo associativismo estudantil e pela Federação Académica do Desporto Universitário afirma querer para o seu futuro uma carreira na política. O UMdicas esteve à conversa com o dirigente que nos falou de si, dos seus ideais, dos jovens e do futuro, do ensino superior e de política, entre outras coisas.

Quem é Hugo Carvalho? 

Um português com vontade de fazer coisas. Não sou novo o suficiente para saber tudo (como as crianças), não tenho certezas absolutas e não sou moralista. Gosto de ser livre e tenho pouco apreço por conservadorismos e corporativismos.

Durante o teu percurso académico tiveste um forte envolvimento no asso­ciativismo estudantil, nomeadamente na Associação de Estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e na Federação Académica do Porto. Em que medida é que essas experiências te moldaram?

Tive no movimento associativo estu­dantil a primeira linha de resposta ao que eu costumo chamar de “experimentar a democracia”. Candidatei-me a eleições, perdi, ganhei, prestei contas, fiz oposição e lidei com pessoas muito diferentes, com histórias muito diferentes que, no fim das contas, me obrigaram a ser sempre melhor.

Posteriormente, foste Administra­dor da Federação Académica do Desporto Universitário. Achas que o desporto uni­versitário já é devidamente valorizado pelas instituições de ensino superior?

Não se pode admitir a alguém que li­dere uma instituição de ensino superior que não reconheça o valor do desporto no desenvolvimento humano. Tenho a con­vicção de que a valorização que umas ou outras IES dão ao desporto universitário está intimamente ligada com a forma como o fazem acontecer dentro das suas portas. Sempre que os senhores reitores e presidentes de politécnicos derem recur­sos aos estudantes para que eles possam ser mais a praticar desporto, devemos ficar contentes. Sempre que os sen­hores reitores e presidentes de politéc­nicos derem recursos aos seus gabinetes para competirem uns com outros por medalhas, devemos recordá-los de que o desporto universitário é para os es­tudantes.


Estás desde janeiro de 2016 à frente do Conselho Nacional da Juventude. Na tua opinião quais é que são os principais desafios que a tua geração enfrenta?

Tenho feito o meu melhor para con­seguir responder a esta pergunta de forma justa para todos os jovens que passam por tantas dificuldades difer­entes. Mas, pensando bem, há um de­safio que se pode eleger: o acesso. Acesso à profissão, contra o corporativismo das ordens profissionais e dos seus dirigen­tes que se acham donos do seu ofício. Acesso à habitação, aguardando políti­cas públicas que equilibrem o mercado e que facilitem a emancipação dos jovens (há umas gerações atrás havia 90 milhões por ano, hoje não chega a 20...). Acesso à decisão, num sistema envelhecido, que vai arranjando mais uns fóruns para ou­vir os jovens, mas que não arranja cor­agem para partilhar com eles o poder da decisão. Acesso ao futuro, quando o in­vestimento se canaliza para desbloquear carreiras, repor salários, repor pensões e deixa de fora a inserção de jovens no mercado de trabalho que, com os seus impostos, possam suportar as gerações anteriores.

Em que é que o Conselho Nacional da Juventude pode ajudar os jovens do nosso país a terem melhores perspeti­vas futuras?

Disse no início da entrevista que não sou moralista. E, portanto, não digo a ninguém o que deve fazer nem como deve de viver. O CNJ é uma plataforma política de representação dos jovens. O melhor que pode fazer é motivar os jovens a ajudarem-se a si próprios. Ou estamos em força na política e na decisão, ou as nossas perspetivas de futuro vão ser as do imediato ou as do passado. Temos de querer a geração mais política de Portu­gal, sob o risco de abordarmos proble­mas novos apenas com soluções velhas.

Há quem aponte a falta de interesse dos jovens, nomeadamente no que diz respeito à abstenção em atos eleitorais, por exemplo. Tens contestado essa id­eia. O que pode ser feito para mudar essa perceção?

É natural que exista esta impressão de que os jovens não se interessam e não querem saber por parte de uma geração mais antiga; até porque somos assim noticiados pelos meios de comunicação tradicionais. Desde logo, existe a questão de que tudo o que fazemos hoje é co­municado de forma difusa: pelas nossas próprias redes sociais, pelos nossos ca­nais, pela nossa rede natural. Ora, se os jornais e as redações também estiverem a envelhecer e não quiserem estar nessa realidade, então não admira que noticiem outra coisa. É preciso, hoje, muita imag­inação para criar factos políticos que nos garantam um pequeno espaço na opinião pública. Quanto à abstenção, ela nunca foi medida por idades. Mas ainda que seja elevada (porque é), não podemos apenas dizer que isso é negativo e que há uma geração que não presta porque não quer votar. Isso vale tanto como eu dizer que há uma geração que não presta porque não quer facilitar a existência do voto à distância, por exemplo. Quem mais pode fazer para mudar essa ideia somos nós, jovens. Mas enquanto não conseguir­mos conquistar um capital político que nos garanta poder de decisão, não vamos conseguir nada. Mobilizarmo-nos por esta causa de mudar, dentro dos partidos por exemplo, é algo que temos urgente­mente que fazer.

Recentemente, o Governo apresentou uma proposta de lei para alterar o regime jurídico do associativismo jovem. Qual é a tua opinião sobre a mesma?

Eu pessoalmente teria ido mais longe. Não compreendo as razões de dizermos que os jovens têm de liderar o seu fu­turo quando até nas suas próprias or­ganizações, que o Estado financia para motivar o associativismo e o voluntariado nos mais novos, queremos permitir que o passado possa mandar. Teria exigido às Associações Juvenis que fossem 100% constituídas por jovens. Permitir que con­tinuemos a financiar mais rápido a Feira do Sarrabulho do que qualquer projeto de Direitos Humanos, intercâmbios ou cau­sas ambientais; permitir que continuemos a financiar mais as organizações que têm o mesmo presidente há 30 anos e menos as dos jovens que querem dar um pouco de si pela primeira vez; é dizer aos jovens que têm a força da inovação, mas para a guardarem na gaveta e irem para as or­ganizações que já existem. As dos jovens de há 40 anos. Acho que a proposta de lei feita pelo Governo dá um grande passo em frente no setor. Exige que os que se tentam eternizar nas estruturas deem lugar aos jovens e, caso não o queiram fazer, mas consigam demonstrar o valor do seu trabalho com jovens, que o façam também dentro do setor da juventude, mas não como organização de jovens. Não se deixa ninguém para trás, não vai acabar nem uma associação. A menos que já não seja jovem, nem de jovens, há mesmo muito tempo.

No Ensino Superior, são também muitos os desafios que os estudantes en­frentam. Como encaras a recente decisão de diminuição do valor das propinas e a insuficiência da ação social, nomeada­mente no que diz respeito à oferta pú­blica de alojamento e de residências universitárias?

Esta pergunta é de resposta rápida. Se fosse Ministro do Ensino Superior e tivesse mais 50 milhões de euros no meu orçamento, construía residências onde elas fazem falta. Tentava poupar 400 eu­ros por mês a muitos estudantes em vez de poupar 200 euros a todos. A descida das propinas é uma medida positiva e politicamente inatacável. O impacto das medidas nem sempre corresponde ao seu alcance político. Muitas vezes parece que estamos apenas a atirar dinheiro para cima dos problemas.

Tens criticado também a regulação do acesso à profissão, nomeadamente por parte das ordens profissionais. Como é que julgas que a situação poderia ou de­veria ser revertida?

Se tivesse de escolher uma coisa para fazer, seria obrigar todos os profission­ais (novos e antigos) a renovar as suas carteiras profissionais. Tenho a im­pressão de que o acesso à Ordem dos Ad­vogados, por exemplo, seria bem mais fácil se os senhores e senhoras que já estão na profissão há muito tempo fos­sem também sujeitos à mesma avaliação. No fundo, gostava que se julgassem os profissionais pela qualidade, em vez de ser apenas pela idade.

Portugal vai receber a Conferência Mundial de Ministros da Juventude em 2019. O que poderemos esperar deste evento?

A Juventude é umas das áreas políti­cas em que Portugal tem vantagem com­parativa a outros países, em termos de cooperação internacional. A primeira Conferência Mundial de Ministros de Ju­ventude realizou-se em Portugal há 20 anos atrás, na qual se comprometeram os Estados Membros da Organização das Nações Unidas com uma agenda global de juventude, de cogestão, de codecisão, de valorizar o associativismo juvenil e de promover políticas públicas de ju­ventude por um futuro melhor. 20 anos depois, o mundo mudou, os sonhos do milénio congelaram com o 11 de setem­bro e surgiu uma nova agenda global para o desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza que não pode ser concretizada sem a força inovadora das novas gerações. É hora de olhar para o plano mundial de ação para a juventude de novo, de olhar para a política global, de perspetivar o futuro com a geração mais global de sempre à mesa. #connosco

Onde te imaginas daqui a 10 anos?

Algures na Europa, com uma carreira profissional sólida e, claro, na política!

Que mensagem gostarias de deixar aos jovens da Universidade do Minho?

Termino como comecei: não sou moralista e não sou melhor do que nen­hum jovem para fazer nenhum tipo de comentários sobre a forma como estão na vida. Todos queremos ser felizes, à nossa maneira. Mas nunca fomos tão precisos como agora. Se não quisermos voltar à política, se não quisermos que a política seja melhor do que alguns que lá se perpetuam, se deixarmos a política apodrecer, se deixarmos os partidos e a democracia, vamos estar a enterrar to­dos os nossos sonhos sem nos aperce­bermos disso. Ninguém faz nada sozinho. Façam política, respirem política, sejam estudantes, não sejam alunos.

Texto: Ana Marques

Arquivo de 2018