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Entrevista.com, 05.10.2015
“Penso que, para se ser arqueólogo é preciso primeiro que tudo gostar-se muito deste desafio.”
UMinho
O UMdicas esteve à conversa com Maria do Carmo Ribeiro, para quem ser diretora de curso é uma função de "enorme responsabilidade". Para a diretora, o curso oferece "uma formação sólida a nível teórico e prático mas também laboratorial e de campo" o que o diferencia dos restantes da área no país. Mas a responsável alerta que é preciso gostar da área para se ser um bom profissional, sendo os maiores desafios "adquirir currículo e desenvolver competências transversais de modo a poder ser mais competitivos e criativos, adaptando-se as exigências da sociedade e do mercado de trabalho".

Qual a sua formação e trajeto académico?

Toda a minha formação académica foi obtida na UM. Licencie-me em História e Ciências Sociais (ensino de), no ano de 1996; em 2001 obtive o grau de mestre em Arqueologia e, em 2008, o doutoramento em Arqueologia.

Ingressei na UM como monitora no ano letivo 2000/2001, para dar aulas ao Curso de História, Variante Arqueologia. Entre 2001 e 2008 estive como Assistente, e em 2008 fui contratada como Professora Auxiliar, situação que mantenho atualmente.

Como caracteriza a sua função de diretora de curso?

Desde logo de uma enorme responsabilidade, não só na coordenação do curso, ao nível do seu funcionamento, mas também da sua estrutura. Mencionar, por exemplo, o processo de acreditação do curso à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), que foi um processo de muita responsabilidade e muito trabalhoso, que se arrastou por muito tempo. Este processo teve início, mais ou menos em 2010, com a instrução e submissão do processo. Em 2012 decorreu a submissão do Guião de Autoavaliação e só depois em janeiro de 2014 decorreu a vista da Comissão Externa de Avaliação. Este processo acabou, igualmente, por permitir uma restruturação da Licenciatura em Arqueologia, em 2012. Evidentemente que estes processos contam com o apoio e envolvimento do corpo docente de arqueologia e também de alguns docentes da história, sem a colaboração dos quais seriam impossíveis de concretizar. No entanto, o corpo docente de Arqueologia é bastante reduzido, somos 5 docentes a 100% e 1 a 50%, que asseguramos uma licenciatura, um mestrado e um doutoramento.

Enquanto diretores de curso, temos igualmente de estar sempre muito atentos e presentes, bem como ser breves nas respostas às solicitações, que podem ser variadíssimas.

O início e o fim do ano letivo são sempre períodos de grande envolvimento. Momentos como a receção aos novos alunos ou a eleição dos delegados e subdelegados requerem um acompanhamento e uma grande proximidade com os alunos.

Trata-se, de uma função trabalhosa, que requer que estejamos sempre muito disponíveis. Para além de dar resposta aos chamados assuntos correntes, que são variadíssimos, é necessário elaborar anualmente o relatório de autoavaliação do curso, monitorizar o encerramento dos DUCs e Relatórios das UCs ou providenciar a atualização do catálogo de curso.

O curso de arqueologia tem ainda algumas especificidades, nomeadamente os estágios práticos que ocorrem para os 3 anos, no mês de Julho. A distribuição dos alunos pelos diferentes núcleos de estágios é igualmente uma tarefa assegurada pela direção do curso.

Paralelamente a tudo isto, o diretor de curso, conjuntamente com a comissão de curso, têm de estar sempre muito atentos de modo a identificar casos de alunos com eventuais dificuldades económicas, familiares ou pessoais que tenham repercussões no seu processo de ensino aprendizagem.

O que a motivou a aceitar "comandar" este curso?

Por um lado poder contribuir, mas também retribuir, dentro das minhas possibilidades, para a manutenção da área disciplinar de arqueologia dentro da UM, criada por docentes e investigadores que muito admiro e respeito e aos quais sou devedora enquanto professora, investigadora e pessoa.

Por outro lado, poder cooperar com um projeto de ensino no qual acredito, que aposta numa formação abrangente e sólida, de modo a formar futuros arqueólogos habilitados ao pleno exercício da atividade.

As experiencias anteriores têm-na ajudado no cumprimento da sua função de diretora de curso?

Sim, sem dúvida. Recordo bem o meu primeiro mandato, em 2008, e a quantidade de vezes que telefonava ao anterior diretor de curso, o Professor José Meireles ou à responsável pela área disciplinar, a Professora Manuela Martins, a solicitar ajuda na hora de tomar decisões. Situação, aliás, que por vezes ainda ocorre.

Quais são as maiores dificuldades no cumprimento da sua função?

Ultrapassados os primeiros obstáculos nos anos iniciais do desempenho das funções de diretora de curso (já vou no 3º mandato) as maiores dificuldades neste momento prendem-se sobretudo com a adaptação às novas plataformas digitais da UM, designadamente ao DOC-UM. Devo referir, no entanto, a ajuda e disponibilidade das funcionárias do Conselho Pedagógico do ICS, bem como da sua Presidente, nos diferentes tipos de auxílio prestado.

O tempo, por vezes, também é uma dificuldade. Em certos períodos, conciliar a direção de curso com a docência, a investigação, outras tarefas de gestão e a vida pessoal torna-se difícil. Todavia, no cumprimento das minhas funções enquanto diretora de curso, e também a outros níveis, saber que posso contar com a experiência e o apoio de alguns colegas, designadamente do diretor de departamento, é muito importante.  

No seu entender, porque é que um futuro universitário deve concorrer à Licenciatura em Arqueologia?

Um primeiro lugar por gosto - porque gostaria de adquirir formação na área científica que estuda o passado do homem e das sociedades através de evidências materiais, procurando compreender o comportamento humano e o seu significado. Penso que, para se ser arqueólogo é preciso primeiro que tudo gostar-se muito deste desafio. Depois, porque muito do passado da humanidade ainda não é conhecido. É preciso continuar a investigar, a fazer arqueologia, para que o puzzle da história fique cada vez mais completo. Mas a Arqueologia não se preocupa apenas com as questões do passado, mas também com as questões do presente e do futuro, procurando dar respostas aos desafios permanentes da sociedade atual. Na realidade, a importância da Arqueologia enquanto vetor de desenvolvimento aumentou significativamente nos últimos tempos graças sobretudo às alterações jurídicas na área patrimonial. Os arqueólogos possuem atualmente competências genéricas de alto valor social, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, mas também, para a criação e valorização do património. No caso da UM, situada numa região com um rico património arqueológico e conhecedora das grandes transformações que visam a sua modernização e a sua promoção patrimonial e turística, o curso de Arqueologia faz ainda mais sentido.

Quais são na sua opinião os pontos fortes deste curso? E os pontos fracos?

Os pontos fortes da Licenciatura em Arqueologia da UM são a aposta numa formação sólida a nível teórico e prático mas também laboratorial e de campo. De igual modo, a valorização da componente formativa interdisciplinar no âmbito interno da própria disciplina, mas também ao nível do interface com outras disciplinas, através de um leque diversificado de UCs de opção (Geologia, Biologia, Sociologia, Geografia, Antropologia, Línguas). Concede igualmente um lugar de destaque à formação na área das TIC, quer no contexto do processo de ensino/aprendizagem (com duas UC obrigatórias na área da Informática), quer em diferentes contextos da prática arqueológica. Outro dos grandes pontos fortes, talvez o mais distintivo, é a aposta séria na formação prática de campo através de 3 UCs obrigatórias de Estágio, que funcionam anualmente, em regime intensivo, durante o mês de Julho, representando um ensino eminentemente tutorial, possibilitando a avaliação continuada da aprendizagem, desde a fase inicial de aquisição de conhecimentos básicos, relativos à prospeção, escavação, ou levantamentos de arte rupestre, até ao momento de interpretação do registo arqueológico.  

Os pontos fracos prendem-se com o número reduzido de docentes. Como já referido, a área disciplinar de arqueologia conta apenas com 5 docentes de carreira, tendo sob a sua responsabilidade 3 cursos. Na realidade, a ratio de 1/20 é altamente constrangedora, uma vez que a formação contempla uma forte componente prática, que exige um ensino de caráter eminentemente tutorial. Também a falta de recursos materiais à disposição do curso condiciona naturalmente a concretização de alguns dos seus objetivos, nomeadamente visitas de estudo, internacionalização, entre outros.


O que caracteriza este curso da UMinho relativamente aos cursos da Licenciatura em Arqueologia de outras universidades?

Se compararmos a estrutura curricular da Licenciatura em Arqueologia da UM com o plano de estudos dos cursos oferecidos pelas outras universidades facilmente se evidenciam as diferenças, sobretudo relativamente aos pontos fortes enunciados anteriormente. Entre esses, sem dúvida que uma das grandes diferenças, que para nós é basilar, é a formação de campo e laboratorial. Nenhuma outra universidade oferece estágios práticos de campo, componente que para nós é imprescindível para a formação de um futuro arqueólogo.

Na realidade, a Licenciatura em Arqueologia da UM beneficia de um conjunto de recursos materiais e parcerias de apoio que o tornam singular. Refiro-me, concretamente, à colaboração continuada com a Unidade de Arqueologia da Universidade e com o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, para apoiar o projeto de ensino e o completar em termos materiais (bibliotecas, laboratórios) e humanos. Sem dúvida que, a possibilidade dos alunos poderem acompanhar e/ou integrar os trabalhos arqueológicos que a UAUM assegura, representa um acesso privilegiado a um verdadeiro laboratório de campo. O apoio do corpo de técnicos e investigadores da UAUM é bastante amplo, quer seja em termos da formação no domínio dos Estágios Práticos quer na formação especializada na área das TICs. Situação idêntica se verifica nos domínios da conservação e restauro, através da parceria com o MADDS. Igualmente distintivo tem sido a política de celebração de protocolos desenvolvida, nomeadamente com diversas autarquias locais do norte de Portugal, que permite designadamente apoiar a realização dos estágios práticos de campo.

Existem hoje em dia excesso de profissionais em determinadas áreas. O que podem esperar os alunos da Licenciatura em Arqueologia quanto ao mercado de trabalho?

O mercado de trabalho na área de Arqueologia não é diferente da esmagadora maioria das demais aéreas, nem, obviamente, indiferente à situação económica que o país atravessa.

Se atendermos às estatísticas, o desemprego dos licenciados em Arqueologia pela UM é muito mais baixo do que os do restante país. Os dados apontam para taxas de desemprego na ordem dos 15% para o país e de 7% para os diplomados em Arqueologia da UM.

No entanto, é preciso ser realista. Tal como nas outras áreas, a competitividade é cada vez maior. Os primeiros anos serão sempre de alguma instabilidade, mas à medida que o seu currículo se solidifica, e também dependendo do tipo de área, penso que continuam a existir boas oportunidades de emprego. Igualmente, a reabilitação económica do país será extremamente importante para a integração dos futuros arqueólogos. 


Quais são os maiores desafios de um recém-licenciado em Arqueologia?

Os arqueólogos podem exercer a sua atividade nos mais diversos meios, nomeadamente em organismos da administração local e central (nas áreas da pesquisa, salvaguarda e gestão patrimonial), em museus, em empresas privadas de intervenção especializada no domínio da arqueologia, em empresas ligadas às indústrias culturais, ou no exercício de profissão liberal.

No entanto, os seus maiores desafios serão sempre adquirir currículo e desenvolver competências transversais de modo a poder ser mais competitivos e criativos, adaptando-se as exigências da sociedade e do mercado de trabalho.


Texto: Ana Coimbra

Fotografia: Nuno Gonçalves


(Pub. Out/2015)

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