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Entrevista.com, 04.02.2013
“R.I. deu-me as ferramentas necessárias para voar e facilmente enquadrar-me neste mundo cada vez mais complexo, heterogéneo e dinâmico”.
Suiça
Elias Bene é um cidadão do mundo que nasceu em Moçambique, mas que traz sempre consigo no coração a Pátria de Camões. Licenciado em Relações Internacionais pela UMinho, Elias é mais um dos atletas de sucesso que soube transportar para o mercado de trabalho as mais-valias adquiridas através do desporto, no seu caso, o ténis.

O que te levou à UMinho e ao curso de Relações Internacionais?

Fui para a UMinho porque constatei ser uma Universidade dinâmica, inovadora e de certa forma pioneira no Curso de (R.I) Relações Internacionais em Portugal. Escolhi o curso de R.I porque se enquadra com o meu perfil. Reparem, nasci em Moçambique e depois vim para Portugal onde mais tarde me naturalizei. Desde pequeno sempre estive inserido numa atmosfera internacional (o circulo de amigos que frequentava a casa, no desporto, e quando viajava). Antes da UMinho passei por dois outros cursos - psicologia e engenharia informática. Ao fim de dois anos, logo percebi que o meu lugar era nas R.I.

De que forma é que a tua escolha moldou o teu futuro profissional?

Estudar R.I permitiu-me ter uma visão mais depurada da cena internacional (meio ao qual eu de certa forma já estava familiarizado). As R.I deram-me as ferramentas necessárias para voar e facilmente enquadrar-me neste mundo cada vez mais complexo, heterogéneo e dinâmico. O meu perfil também teve um papel preponderante; contrariamente à maioria dos meus colegas de curso, sempre fui optimista e ávido a tomar riscos na vida ? it paid off!

Como é que foram esses anos na academia minhota?

Os anos na academia minhota foram excelentes. Sempre fui um aluno empenhado, brinquei, namorei muito, fui activo no Núcleo de Estudantes de R.I, fiz parte do grupo de teatro no departamento de línguas (inglês e francês), ao mesmo tempo traduzia textos online para uma Agência Canadiana; sem falar da minha actividade como monitor de ténis da UM e também como atleta de competição - pena somente vice-campeão nacional Universitário!

Como é que se deu a tua entrada para o desporto na UMinho?

Desde dos 4 anos que jogo ténis. Aliás toda a minha família joga (va). O meu objectivo era ser profissional de ténis. Acontece que o ténis é extremamente caro e a minha mãe não podia custear as despesas ao mais alto nível. Continuei a jogar e a instruir-me acerca da modalidade (...) e ao chegar na UMinho idem.


Que atividades desportivas praticaste na UMinho?

Na UMinho pratiquei essencialmente ténis. Uma vez e outra jogava basquete ou nadava.

O que te levou a escolher o ténis?

Como referi antes, está nas veias, venho de uma família que joga (va) ténis.

Que recordações guardas do desporto universitário, das atividades desenvolvidas na Universidade e pela Universidade?

O desporto em geral e o Universitário em particular são uma escola de vida. Dão-nos equilíbrio a todos os níveis ? higiene de vida! O facto de ter feito competição permitiu-me ainda desenvolver faculdades que até hoje ajudam-me a superar o stress na vida profissional e pelo mundo fora. As recordações são imensas a começar pelo número de amigos que fiz, e tudo o que pudemos partilhar pela Universidade, na Universidade.

Qual foi o momento mais marcante que tiveste enquanto envergavas a camisola da UMinho?

O momento mais marcante foi o dos jogos Universitários em Atenas. Senti o espírito de equipa, e institucional (UMinho).

Achas que foi importante (o desporto) no teu desenvolvimento enquanto indivíduo?

Sem dúvida, aliás como referi anteriormente, o desporto tem-me dado ao longo da vida o equilíbrio necessário para enfrentar todo tipo de barreiras. É uma escola de vida, se considerarmos tudo aquilo que implica fazer desporto (dormir a horas, rigor, disciplina, empenho). A fórmula para mim é: desporto + Elias = boa higiene de vida! Ainda jogo ténis (mais sólido - liga Regional e Nacional Suíça) e acrescentei ainda duas outras modalidades, o ski e a BTT.

A entrada no mundo profissional, como é que aconteceu?

Enquanto estudante Universitário fazia traduções e coordenava via online um projecto da Agência Canadiana para o Desenvolvimento Internacional. Foi um contacto que surgiu quando estive uma vez de férias em Moçambique. Entretanto quando acabei licenciatura mudei-me para Lisboa onde fiz o meu estágio no (IDN) Instituto da Defesa Nacional. Ao mesmo tempo dava aulas de ténis no Restelo - CIF, participei também de alguns projectos ad-hoc no âmbito de Segurança e Defesa no IDN (...). No final do estágio novas oportunidades surgiram; trabalhei inicialmente no privado como coordenador de bases de dados na Cushman & Wakefield, (...). Em 2008 vim para Zurique e depois Friburgo para trabalhar como gestor júnior de fundos de pensões numa empresa Vonlanthen Consulting SA; ao fim de um ano retomei à minha área de formação R.I. Já em Genebra, trabalhei consultor ad-hoc de projectos na Caritas Suisse; de seguida como consultor de projectos na OIM - Organização Internacional das Migrações. Entretanto surgiu uma proposta mais aliciante na Delegação Permanente da União Europeia junto à OMC - onde trabalho até hoje como assistente de administração. Nas minhas horas livres faço voluntariado para a SwissAid - gência Suíça para o Desenvolvimento Internacional. É minha responsabilidade social tête-à-tête com os mais desfavorecidos. É uma vertente das R.I (humanitário). Permite também alargar o capital social.

Foi difícil essa passagem do mundo académico para a realidade do mundo do trabalho?

Para mim, praticamente não houve essa cisão, mutação ou dificuldade. Enquanto estudante já me considerava activo no verdadeiro sentido do termo (refira-se a questão "como foram esses anos na academia minhota?"). A única mudança que senti foi a nível da taxa de empregabilidade. Isto é, uma vez acabada a licenciatura começava a concentrar-me unicamente no trabalho, à 100%.

Em que área estás a trabalhar e quais são as tuas funções?

Estou a trabalhar na União Europeia (EEAS) - European External Action Service. É a Missão permanente da UE junto à OMC (Organização Mundial do Comércio).

Com o Tratado de Lisboa anexou-se a nós a Delegação permanente da UE junto à ONU (Nações Unidas).

Eu sou assistente de administração. Sou responsável pela gestão budgetária de algumas áreas específicas, coordeno o protocolo diplomático, coordeno as vídeo/áudio conferências entre as diversas delegações da UE e outras instituições; e faço todo o trabalho inerente à Administração que por sinal é comum as duas secções, Missão UE-OMC e Delegação UE-ONU. No total são 50 funcionários + dois embaixadores por cada secção UE-OMC e UE-ONU.

Como é que surgiu a oportunidade de trabalhar para a Organização Mundial do Comércio?

Volto a precisar, Missão permanente da UE junto a OMC. Trata essencialmente por todas questões relacionadas ao comércio internacional.

A oportunidade foi simples: o posto foi publicado num jornal local e eu candidatei-me assim como outros tantos 100 candidatos. Após análise do currículo, testes e um entrevista final, escolheram-me para o cargo.

É problemático trabalhar numa organização onde tantos interesses estão sempre em jogo?

Não diria problemático, mas sim sensível. Exige-se muita discrição por parte do staff pois todas as decisões e assuntos debatidos devem ser guardados com o maior sigilo. Sendo uma missão diplomática, todas as medidas de segurança são poucas! É uma realidade que com a actual conjuntura económica que afecta o mundo, tanto a UE, ONU e a OMC têm sido fortemente criticadas. São ciclos históricos, é preciso sair da caixa de Pandora, do drama, e analisar a actual conjuntura com a cabeça mais fria, relativizando. Repare que em qualquer parte do mundo, hoje em dia vive-se melhor que há 50 anos atrás. 

Como é o dia-a-dia do Elias Bene?

Vivo em Lausanne e trabalho em Genebra, 27 minutos de comboio. Durante o trajecto bebo o meu café e leio o jornal. Uma vez no gabinete começo a tratar os dossiers que tenho e todo o trabalho que vai surgindo. Quando termino o trabalho, dedico-me a outras actividades: desporto, música, dança, ou simplesmente ir para casa repousar.

Na tua área de conhecimento, como é que está o mercado de trabalho?

Na minha área de conhecimento R.I o mercado de trabalho é vasto e há muitas oportunidades. O que faz a diferença é o país onde nos encontramos. Globalmente diria que a área das R.I está em forte crescimento. O mundo hoje é multidimensional, heterogéneo e em constante mudança. As R.I nesse âmbito ocupam uma posição privilegiada sobretudo aqui na Suíça ? o viveiro de todos organismos internacionais. Destaque para as Nações Unidas e todas as suas agências especializadas. ONG's são muitas por cá (...). Mesmo no sector privado o perfil R.I tem enquadramento sobretudo se o candidato tiver experiência internacional e falar vários idiomas.

Com a UE, Bruxelas é um óptimo mercado. Para os mais ousados participar em programas de voluntariado ou projectos de cooperação em países do Hemisfério Sul - mercado lusotropicapital (PALOP, CPLP), é uma mais valia, permite rapidamente subir de escalão e tornar-se perito numa região ou uma área temática específica; chamamos isso na gíria das R.I "experience in the field". É bem diferente da perspectiva de gabinete de muita gente que trabalha opina e escreve relatórios sobre questões de diversos países, sem nunca ter colocado os pés no terreno.

Onde é que te vês daqui a 10 anos?

Daqui a 10 anos é uma meta ao longo prazo. Em economia diz-se que a ao longo prazo estamos todos mortos. Eu projecto-me a curto/médio prazo, 5 anos. Estou aberto a novos desafios, assim, se surgir uma oportunidade para outro país, outro sector, porque não?

Achas que Portugal está a produzir mão-de-obra qualificada a mais ou os jovens licenciados estão apenas a pagar a fatura de uma crise que levou muitas empresas à falência?

Falar de produção em massa de mão-de-obra qualificada em Portugal é uma questão sensível. Isso tem a ver com políticas públicas e objectivos estratégicos que o país deve definir para levar a bom porto o seu desenvolvimento. Acho que Portugal necessita sim de mais quadros superiores, mas é preciso orientar essa formação superior em função das reais necessidades do país. A Suíça, produz mais técnicos médios especializados que "Doutores", e o país funciona! Obviamente que os efeitos colaterais da crise fazem-se sentir em todos tecidos da economia, sem falar na relação empregador/empregado; daí a precariedade no recrutamento e inserção do pessoal altamente qualificado ou médio/precário.

Acreditas que o Empreendedorismo é uma solução para alguns dos actuais problemas dos jovens licenciados? 

Empreendimento sim, mas o fundamental é ter as condições favoráveis para que esse empreendorismo produza resultados. Isso depende do eleitorado, infelizmente o cidadão comum tem pouca margem de manobra, mesmo que apareça com a ideia mais brilhante.

É mais fácil ser reconhecido pela nossa qualidade profissional cá dentro ou achas que ainda existe a mentalidade de que quem vem de fora é melhor?

É um pau de dois bicos! Depende da conjuntura, do sentimento patriótico de cada cidadão, auto-estima por si e pelo país. Depende da ênfase que se quer dar a uma estratégia de expansão económica, marketing etc. Enquanto trabalhei na OIM ? Organização Internacional das Migrações, um estudo feito sobre inserção e empreendorismo revelou que a taxa de empreendorismo de um estrangeiro é 1.5 superior a do nacional. Isso revela que quando há condições favoráveis, o "produto" de fora traz valor acrescentado e competitividade local.

Quando cheguei à Suíça comparei a formação da Universidade de Genebra em Relações Internacionais e surpreendi-me: o currículo da UMinho é mais rico, sólido e abrangente. O mesmo acontece noutras áreas de conhecimento. Isso justifica o bom desempenho dos quadros portugueses exportados para o estrangeiro; os mesmos quadros em Portugal vegetam!

O problema está na falta do ambiente propício para capitalizar esse potencial. Quero com isto dizer que há condicionantes na vida de um indivíduo que têm um papel preponderante no seu sucesso, uma delas é o local onde se nasce e onde se cresce. No futebol por exemplo, O Cristiano Ronaldo é uma vedeta e marca muitos golos lá fora; o mesmo Cristiano na selecção nacional não consegue fazer com que Portugal ganhe a copa do mundo!

Em Portugal não é uma questão de falta de reconhecimento da qualidade profissional ou académica, o contexto e o ambiente é que não são propícios. (para melhor compreender veja a questão seguinte).

Qual é a tua visão do estado atual de Portugal?

As famílias têm cada vez mais dificuldades. É curioso, quanto mais nos aproximamos dos países do Centro e Norte da Europa, apercebemo-nos do clima que é mais rigoroso; por outro lado assistimos a um maior desenvolvimento, competitividade e organização. Se olharmos para o Sul da Europa, Portugal em particular, temos um clima mais agradável; por outro lado vemos que ainda há muita coisa por fazer até atingir os níveis de desenvolvimento e organização desejados. Não percebo como é que há desemprego!

O factor mental e idiossincrático é também preponderante. Lembro da obra de José Gil "Portugal hoje o medo de existir" que reflecte muito bem o que é ser português: por vezes expansionista, ao mesmo tempo retraído, optimista e com uma grande dose de pessimismo; melancólico e nostálgico com medo de arriscar. Tudo isto é paradoxal se olharmos para aquilo que foi a história dos "descobrimentos".

Cabe a classe dirigente criar mais confiança nos cidadãos, para que se possa ultrapassar as dificuldades e desenvolver o país de forma sustentável, em função das suas reais necessidades.

Que conselho deixas aos milhares de estudantes da UMinho que procuram um futuro mais risonho através de um curso superior?

Que aproveitem o máximo da formação que lhes for proporcionada. Que alarguem os horizontes, o capital social, estejam dispostos a novas experiências sem preconceito. Tenacidade e paciência, para atingir as metas desejadas implica muitas vezes um percurso pouco linear, mas todas as etapas são importantes. Procurem identificar o mais rápido possível as fraquezas, pontos fortes, e onde criar oportunidades, tudo isso dá maior lucidez e faz a diferença em termos qualitativos e das metas a alcançar. Saber apreciar cada circunstância (boa ou má) como uma oportunidade. Lembrem-se do provérbio "muitas das coisas que terminam com um grande sucesso começam com uma grande adversidade".  


Texto: Nuno Gonçalves


(Pub. Jan/2013)

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