Patricia Sousa (10)
Academia, 22.07.2022 às 15:34
A esquecida profissionalização do árbitro desportivo: 2011 não foi ontem
Artigo de opinião – Patrícia Sousa Borges, Assistente Convidada da Escola de Direito da Universidade do Minho e Investigadora do JusGov, Centro de Investigação em Justiça e Governação.

O fenómeno da globalização, mais tarde absorvido pela nova era digital, teve como consequência o aparecimento no mercado nacional, e até internacional, de novas indústrias, designadamente o mercado do futebol. Estas alterações sociais, económicas e culturais além de levarem à proliferação de novos mercados, obrigaram a que o Direito tivesse inevitavelmente de se ajustar a essa evolução. No desporto, essa incontrolável mutação obrigou a que as próprias competições se fossem, cada vez mais, e a passo contínuo, profissionalizando. Assim, com a gradual profissionalização das competições desportivas, insurgiu-se a necessidade de se profissionalizar também os agentes participantes da mesma, como sucedeu, por exemplo, com os praticantes e treinadores desportivos. Sucede que, o mesmo ainda não acontece com o árbitro desportivo.  

A Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, também denominada, Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, que define as bases das políticas de desenvolvimento da atividade física e do desporto, não apresenta uma definição de árbitro desportivo, fazendo referência à sua existência enquanto agente filiado a uma federação desportiva e regulando a sua atividade, em escassos preceitos ao longo do diploma, sem, contudo, lhe conferir autonomia face ao leque tipificado de agentes desportivos[1], omissão que permanece até aos dias de hoje.

Apesar da concretização do conceito de árbitro desportivo[2] aquando da publicação da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto[3], só com a publicação do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, que veio estabelecer as medidas específicas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento, é que foi reconhecida ao árbitro a qualidade de praticante de alto rendimento, atribuindo-lhe, assim, algumas medidas de apoio previstas naquele normativo.

Acontece que, ao contrário do que vai sucedendo com os demais atores desportivos, os árbitros perpetuam esta «voluntariedade profissionalizada», assente na dedicação, rigor, independência e profissionalismo, pese embora lhes seja reconhecida como verdadeira atividade profissional. Em abono da verdade, no ano de 2011, a necessidade de profissionalização desta atividade em Portugal foi objeto de estudo por parte de um Grupo de Trabalhos criado por Despacho do Governo[4], que procedeu à avaliação da atividade dos árbitros e entidades equiparadas e aferiu a necessidade da sua eventual profissionalização. Aquele Grupo destacou “a pertinência da equiparação do árbitro profissional a um atleta de alto rendimento”[5], uma vez que, em face da exigência colocada a quem arbitra e da própria qualidade, credibilidade e atratividade do espetáculo desportivo é imperioso o reconhecimento profissional da atividade de árbitro. No relatório apresentado, e em pano conclusivo, o Grupo defendeu que “o rumo a seguir, deve consistir no reconhecimento e enquadramento legal do profissionalismo dos árbitros” [6], de modo a equiparar os índices qualitativos de todos os intervenientes, tal como aconteceu com a profissionalização dos praticantes e treinadores desportivos.

Deste modo, e a reboque dos motivos já plasmados naquele relatório, entendemos que hodiernamente é inegável a urgência de se voltar a trazer à discussão pública a necessidade de se estabelecer um regime jurídico do contrato de trabalho dos árbitros, isto, sobretudo, porque já assistimos a esta realidade noutros ordenamentos jurídicos, nomeadamente, no Reino Unido e nos Países Baixos.

Referências 

[1] Cf. Artigos 34.º e ss. da Lei n.º 5/2007, de 16/01.

[2] Como “quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva” – cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 50/2007, de 31/08.

[3] Que estabelece o Regime de Responsabilidade Penal por comportamentos antidesportivos.

[4] Despacho n.º 12691/2011, publicado no Diário da República no dia 23/09/2001.

[5] Cf. Relatório do Grupo de Trabalho, Árbitros e Entidades Equiparadas Avaliação da Atividade e Eventual “Profissionalização”, publicado no Diário da República no dia 23/09, pp.7.

[6] Cf. Relatório do Grupo de Trabalho, ob. cit., pp.8 e 34.

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