Com o alargamento da escolaridade obrigatória e o alongamento do ofício do aluno, a organização escolar tornou-se um dos mais importantes contextos de socialização das crianças e dos jovens. Todavia, este efeito de permanência durável, numa instituição que vem perdendo o monopólio da transmissão de conhecimento, foi acompanhado por mudanças na relação simbólica dos jovens com o espaço e com os modos de o habitar. O declínio do “programa institucional” (Dubet, 2002) e a adesão da escola a uma agenda focada nos resultados alterou as referências socializadoras dos jovens, agora mais plurais e deslocadas para além dos muros do estabelecimento de ensino. As diversas experiências educativas dos jovens (e.g. grupo de pares, redes sociais, desporto, música, movimentos sociais, ...) dispersam os seus interesses e vivências cada vez mais desterritorializadas, retirando ao espaço escolar o exclusivo na criação de vínculos e elos identitários. Cada vez mais refém de métricas e de padrões de excelência, a escola tende a concentrar a sua ação no “treino intensivo” de competências, limitando a expressão de aprendizagens não-formais e informais, essenciais à plena integração dos estudantes. Este recentramento nos resultados exerce um efeito simultâneo de emagrecimento e musculação da socialização: a eliminação das gorduras (dimensões democráticas e participativas) potencia a intensidade do treino, agora mais concentrado e menos dispersivo.
O desenvolvimento de uma cultura performativa fomenta uma relação instrumental com o espaço escolar, baseada na procura incessante de vantagens competitivas de curto e médio prazo. Os atores usam estrategicamente o espaço para obter determinados fins, mas não chegam verdadeiramente a habitar os seus recantos. O facto de o investimento na escolarização não corresponder diretamente à concretização de um lugar e estatuto na vida profissional acentuou, também, o distanciamento dos alunos em relação ao universo escolar, representado cada vez mais como um lugar de passagem. Perante a inevitabilidade de um futuro incerto, os jovens prolongam e ampliam o espaço da experiência, investindo prioritariamente no presente como uma espécie de refúgio.
O enfraquecimento dos laços de filiação à “forma escolar”, resultante de uma vivência virtual, fugidia, presentista e parcelar, fragiliza a partilha de um ideário coletivo, arrastando a escola para formas de fragmentação cultural. Este fenómeno não pode ser desligado de um movimento mais global de crescimento do individualismo no mundo contemporâneo. A densidade das regulações e pressões que assolam as sociedades atuais gera como efeito global a desintegração dos laços e das vivências sociais, desembocando num “individualismo institucionalizado”, que marca o horizonte dentro do qual se estrutura o pensamento, a ação e os estilos de vida (Beck & Beck-Gernsheim, 2012). A organização escolar não escapa a esta tendência; porém, a sua matriz democrática exige um exercício permanente de reinvenção e aprofundamento da construção do comum em educação, a partir de uma “arquitetura de pontes” que induza a inclusão (Pais, 2020, p. 183). Eis um dos mais relevantes desafios à investigação em ciências da educação: produzir conhecimento de natureza exotópica capaz de ampliar a compreensão dos dilemas sociais e educacionais contemporâneos que, não emergindo no interior da escola, nela se podem agudizar, desvanecer ou transformar.
Referências