Helena Sousa é Professora Catedrática no Departamento de Ciências da Comunicação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (UMinho) e antiga presidente do Instituto de Ciências Sociais (ICS). Assumiu a presidência do Conselho Cultural (CC) da Universidade em 2019, o qual gostaria, entre outras coisas, que contribuisse para desmontar uma visão ainda muito hierarquizada que existe de cultura.
Quais a atribuições do Conselho Cultural (CC) da Universidade do Minho e como desenvolve a sua atividade?
O Conselho Cultural é um órgão colegial de consulta do Reitor e do Conselho Geral da Universidade em matérias de política cultural. Para além do aconselhamento aos órgãos superiores da universidade, o Conselho Cultural desenvolve a sua atividade em articulação com as Unidades Culturais da Universidade do Minho (Arquivo Distrital de Braga, Biblioteca Pública de Braga, Casa do Conhecimento, Casa Museu de Monção, Centro de Estudos Lusíadas, Museu Nogueira da Silva, Unidade de Arqueologia e Museu Virtual da Lusofonia). O Conselho Cultural também apoia a Reitoria e outras entidades internas e externas à universidade na implementação das suas atividades culturais. Estamos sempre disponíveis para apoiar, do melhor modo possível, as iniciativas culturais promovidas internamente pela universidade e por agentes culturais externos. Apoiamos na organização de exposições, colóquios, concertos, lançamento de livros, etc. O Conselho Cultural não é uma estrutura de programação cultural, mas coloca os seus recursos ao serviço da cultura, dentro e fora da universidade.
Que aspetos mais relevantes destacaria da atuação do Conselho Cultural?
Pela importância da política cultural numa universidade, diria que a função de aconselhamento aos órgãos superiores da universidade é talvez a dimensão mais crítica. O desenvolvimento de políticas na esfera cultural precisa de capilaridade, de mecanismos de auscultação sistemáticos e de proximidade com os agentes culturais. A política cultural nunca está resolvida. Precisa de reflexão permanente sobre os seus objetivos, sobre as modalidades de implementação das escolhas e sobre os recursos disponíveis. Precisa de ser pensada de baixo para cima e de cima para baixo. Precisa de ser inclusiva, multicêntrica, e fortemente indutora de diversidade. A Universidade do Minho já faz muito trabalho, e é importante que se reconheça esse esforço, mas compete ao Conselho Cultural contribuir para a expansão desta ambição, para que a cultura seja reconhecida por todos pela sua capacidade transformadora. Isso passa pela valorização das pessoas enquanto agentes culturais, reconhecendo a sua própria experiência cultural e os patrimónios (materiais e imateriais) que lhes são mais próximos. A cultura precisa de chão, de lugares vividos, de proximidade.
Não posso também deixar de destacar, pela importância na vida cultural nacional e pelo reconhecimento que conquistou, o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea. O Prémio, que vai na 30ª edição, ganhou um enorme prestígio e é atualmente considerado o de maior importância a nível nacional dentro deste período histórico. Isto só tem sido possível pela excelência das comissões executivas do prémio, dos candidatos e dos membros dos júris. Naturalmente, nada disto seria possível sem o legado do Doutor Victor de Sá e sem o apoio financeiro da Fundações Eng. António de Almeida, Fundação Cupertino de Miranda e das Câmaras Municipais de Braga, Guimarães, Vila Nova de Famalicão e Barcelos.
Quem é Helena Sousa, a atual presidente do CC?
A pergunta contém a resposta possível no quadro desta entrevista. Falo na qualidade de Presidente do Conselho Cultural. Neste lugar, sou responsável pelo desempenho das funções inerentes ao cargo, nos termos estatutários, coordenando um secretariado e articulando vontades mais amplas dentro e fora da universidade. O exercício destas funções tem sido um caminho de auto e de hétero-conhecimento e isso é sempre muito gratificante. Este lugar permitiu-me ver lugares da universidade que me eram invisíveis. Tornou-me mais preenchida pelo conhecimento sobre as unidades culturais e sobre os seus patrimónios (alguns extraordinários) e também pelas relações humanas que tenho tido o privilégio de desenvolver. O exercício deste cargo tem-me permitido uma aprendizagem mais funda sobre a Universidade e tem contribuído para uma consciência mais concreta da capacidade transformadora da cultura.
É presidente do CC desde 10 de outubro de 2019. O que a levou a aceitar o cargo?
O mesmo de sempre quando aceito um cargo: querer dar o meu contributo, imaginando que tal é possível e útil. Trata-se de um exercício de imaginação e vontade. Gosto de trabalho em equipa e o Conselho Cultural é precisamente um órgão colegial. É constituído por pessoas com especial sensibilidade para a cultura e para as artes. E isso foi e é muito motivador. Quando deixar o cargo, levo comigo o que vivi e deixo um pouco do que sou.
Que balanço faz da experiência até ao momento?
Os balanços são sempre positivos, não é? Sim, também faço um balanço positivo, embora nem tudo tenha corrido conforme planeado. Não estava certamente planeada a pandemia. Também se demorou demasiado tempo a constituir o Conselho em si mesmo. A Tomada de Posse dos seus membros teve lugar no dia 23 de abril de 2021 numa cerimónia, aliás, muito bonita, muito digna da universidade que somos. A Tomada de Posse aconteceu também no dia da atribuição do Prémio Victor de Sá e foi realmente um dia especial.
Quais são as grandes apostas deste mandato?
Este mandato termina com o mandato do Reitor e a eleição está à porta. O tempo já não é muito, mas estamos a rentabilizá-lo do melhor modo possível. No próprio dia 23 de abril de 2021, imediatamente após a tomada de posse dos membros do conselho, fizemos uma reunião plenária que nos permitiu definir um calendário de trabalho. Estamos, neste momento, a fazer um exercício de auscultação sobre a política cultural da universidade. Iremos preparar um documento que será apresentado ao Sr. Reitor e à Srª Presidente do Conselho Geral com os resultados deste exercício de escuta e de reflexão. Mesmo com prazos apertados, julgamos que é possível e esperamos que seja útil.
É a quinta presidente do CC. Como tem visto a evolução deste órgão e as opções feitas ao longo dos anos?
Tenho a mais profunda admiração por todos os antigos presidentes do Conselho Cultural da Universidade do Minho: Prof. Lúcio Craveiro da Silva, Prof. José Viriato Capela, Profª Gabriela Macedo, da Profª Eduarda Keating. Infelizmente o Prof. Lúcio já não está entre nós, embora o seu legado humanista esteja muito presente. Todos os presidentes são pessoas fortemente comprometidas com a afirmação cultural da universidade e fizeram um trabalho muito importante, embora tenhamos que reconhecer que os contextos de intervenção têm sido muito distintos. As instituições têm os seus tempos e os seus ritmos.
Considera que o Conselho Cultural é o “braço armado” da política cultural da Universidade?
Não é certamente braço nem está armado. É um órgão independente que procura apoiar a universidade no desenvolvimento da sua política cultural. É muito importante a sua existência porque traduz institucionalmente a importância que a Universidade do Minho atribuiu à cultura. Mesmo em momentos mais difíceis, o Conselho Cultural é uma presença que exprime estatutariamente essa importância e as palavras contam.
De entre os grandes objetivos do CC, há algum patamar que gostasse, particularmente, de ver atingido?
Sim, gostaria que o Conselho Cultural pudesse contribuir para desmontar uma visão ainda muito hierarquizada de cultura e que faz com que a cultura seja frequentemente vista como um marcador de classe social, de grupos etários, de género, etc. A remoção destes obstáculos não acontece de um dia para o outro nem passa apenas pelas políticas culturais, mas as políticas podem ajudar a promover esta desmontagem. É um caminho longo que vale a pena ser feito. O Conselho Cultural, pela diversidade dos seus membros, pode também contribuir para a valorização e para o reconhecimento simultâneo das chamadas culturas eruditas, das culturas de massas, das culturas populares…É na diversidade, no diálogo e no encontro de experiências, que nos vamos tornando comunidades mais coesas. Também me parece que o Conselho Cultural pode contribuir para a consciencialização de que todos somos agentes de cultura. É possível promover esta consciência para que todos se sintam mais comprometidos com a ativação da cultura porque é transformadora.
Os membros do Conselho Cultural tomaram posse no passado mês de abril. Quer falar-nos um pouco da sua constituição e de que forma concorrem para a prossecução da missão do CC?
O Conselho Cultural é composto por membros que têm experiências e olhares muitos distintos sobre a cultura. A diversidade é a sua maior riqueza. Hoje o órgão é constituído pela presidente, pelos presidentes (ou representantes) das 12 escola e institutos da UMinho, pelos responsáveis das sete Unidades Culturais, por uma estudante da UMinho (Marta Ferreira) e por dez personalidades externas com intervenção relevante no domínio da cultura (Álvaro Santos, diretor da Casa das Artes de Famalicão; Cláudia Leite, administradora do Theatro Circo; Isabel Silva, diretora dos museus D. Diogo de Sousa e Biscainhos; Luís Fernandes, diretor artístico do GNRation; Nuno Soares, diretor da Casa das Artes de Arcos de Valdevez; Paulo Vieira de Castro, presidente da Sociedade Martins Sarmento; Rui Ramos, diretor da Bienal de Ilustração de Guimarães; Rui Torrinha, diretor artístico do Centro Cultural Vila Flor; Rui Vítor Costa, presidente da associação Muralha e Teresa Andresen, arquiteta paisagista.
A pandemia causada pela pela COVID-19 paralisou a cultura quase por completo. Como prevê o CC a retoma no próximo ano letivo. Quais as iniciativas que destaca? Há alguma novidade preparada?
Não diria genericamente que a pandemia paralisou a cultura. É absolutamente verdade que a pandemia teve um impacto devastador em todas as atividades culturais com presença física. E isso tem sido terrível para programadores, artistas, técnicos, operadores, enfim…mas não deixamos de ouvir música, de ver espetáculos, de ver filmes, de entrar em museus virtuais. Pelo contrário. Muitas instituições e artistas conseguiram fazer adaptações importantes, procuraram modos de chegar às pessoas através de meios digitais. É claro que os processos de mediação técnica nem sempre funcionaram bem e nem tudo pode ser mediado. Mas parece-me importante realçar o papel dos agentes culturais e do esforço para chegar aos seus públicos. Há hoje novos modelos de apresentação, de fruição e de participação cultural.
Sente que a cultura é uma área valorizada na Academia?
A cultura está no ADN da Universidade do Minho. Nenhuma academia faz sentido se não valorizar a cultura. A ciência é cultura, o ensino é uma relação cultural, uma relação de trocas simbólicas, de reconhecimento do Outro, da diferença e da diversidade de saberes. Há quantas décadas dizemos que ensinar não é transmitir? Portanto, não existe academia sem cultura, sem interações culturais. Julgo que os membros da academia percebem a importância dos sistemas simbólicos que nos ajudam a dar sentido à vida pessoal e à vida coletiva. A cultura é o nosso sistema de navegação e, por isso, todos de algum modo somos agentes de cultura, pela fruição dos legados artísticos e patrimoniais e pela capacidade, que pode sempre ser expandida, de reconhecer, valorizar e criar. Precisamos de reconhecer o que já somos e o que já sabemos a partir dos nossos territórios geográficos e afetivos, para entrarmos em diálogo com outras culturas, sem medo de hierarquias ou exclusões. A cultura é para todos, nas suas mais diversas manifestações. E é possível entrar por portas e janelas, mas precisamos de sair da nossa casa, física ou digital, para nos encontrarmos com os outros. A cultura é o nosso lugar de encontro, de valorização da diferença.
Uma mensagem que gostasse de deixar à comunidade académica…
Não sou grande adepta de mensagens que rematam conversas. Prefiro assinalar o caráter inacabado de uma boa conversa…Mas, considerando o momento que vivemos, talvez termine então com um apelo à fruição cultural, respeitando as recomendações das autoridades de saúde, mas sem abdicar da alegria e do prazer que a cultura nos dá e sem deixar de apoiar quem vive, hoje com grandes dificuldades, do setor cultural. Também podemos ser agentes e promotores de cultura participando deste modo.
Fonte: SASUM
Foto: Nuno Gonçalves