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Academia, 17.06.2008
A Paris que eu vejo - Crónica de um aluno Erasmus
Paris
Estou sentado de frente para uma fonte do Jardim de Luxemburgo, no centro de Paris, quando um grupo de oito japoneses estaciona na minha vista. Pelas minhas contas, tiram 348 fotos iguais em menos de dois minutos, numa rotação frenética de câmeras de última geração.
Os japas seguem seu caminho e então consigo ver crianças brincando com pequenos barcos de madeiras no lago em volta da fonte. A técnica é simples: colocar o barquinho na água, empurrar com um pedaço de pau e correr em volta da fonte acompanhando o percurso da miniatura, enquanto se solta estridentes gargalhadas. Aquelas crianças poderiam estar de frente para um aparelho eletrônico qualquer de última geração, mas preferem o jardim e os barquinhos. E eu prefiro vê-las brincando a ver japoneses tirando fotos sem nem parar para observar à olho nu o que estão registrando.  
Agora caminho pelo Champ de Mars, um vasto campo gramado que conduz até o pé da Torre Eiffel. Ali, centenas de crianças, acompanhadas por auxiliares escolares, lancham tranqüilas e sorriem com sinceridade. Os mais ativos pegam os sanduíches dos tímidos e saem correndo, só para perturbar - eu fazia isso. As meninas sentam juntas e não dão vez aos gaiatos, que fazem poses esdrúxulas e caretas para as fotos. O certo é que nenhum deles dá bola para o fato de logo adiante estar o monumento mais visitado do mundo. Turistas de todo canto cansam as pernas em filas intermináveis para subir na torre, sem perceber que a verdadeira beleza podia ser vista embaixo, e não de cima.
Continuo caminhando e chego ao Trocadêro, de onde posso ver a Eiffel por inteira, sem filas e sem prédios empresariais na frente. Um casal norueguês pede que eu faça uma foto sua com as filhas pequenas, a torre de pano de fundo. As meninas estão alegres e eu fotografo, mas elas querem sair logo dos braços dos pais. O objetivo é descer escorregando, quantas vezes for possível, uma rampa de menos de dois metros - o acesso para deficientes físicos - que vira parque de diversões.
Ao lado do Trocadêro está o Museu do Homem, uma viagem fabulosa pela evolução histórica do ser humano, do ponto de vista biológico, etnológico e social. Invisto um bom tempo ali dentro. As pequenas norueguesas não precisam disso. A evolução de suas histórias está apenas no início.
Já no Jardim de Tuileries, a 300 metros do excessivo acervo do Museu do Louvre, topo com aquilo que considero a maior obra-prima da humanidade: crianças jogando futebol sem compromisso. Alguns são bem brancos, uns algo árabes e outros muito negros. Os negros têm maior intimidade com a bola e controlam a pelota com mais destreza que os brancos. Esses ocupam o espaço de jogo de forma mais equilibrada. E assim, sem tática ou muitas regras, cada um com seus méritos, eles brincam com liberdade e fazem o jogo da bola em pé de igualdade. Oxalá descubram cedo a fraternidade.   
Faz algum tempo - mais de um ano -, escrevi numa dessas ladainhas uma idéia de plano para o futuro. Consistia em, diariamente, quando o sol começasse a baixar e o céu avermelhasse, ficar sentado num campo gramado na companhia de dois ou três grandes amigos e um grande amor. Naquele campo, várias crianças se reuniriam para jogar bola, empinar pipa, pular elástico, brincar de amarelinha, enfim, para fazer todo tipo de coisa que toda criança deveria fazer o tempo todo durante toda a infância. O problema é que ao final do campo existiria um enorme precipício, daqueles que não se vê o fundo e quem tenta olhar lá pra baixo, perde o prumo. Então eu ia ficar ali, só observando as crianças brincarem. Quando alguma, mais desatenta, se aproximasse do precipício, um dos "grandes" iria detê-la, dar um sopro no umbigo, uma mordida na bochecha e mandá-la de volta pra brincadeira. Pois, era o que eu ia fazer diariamente.
De um ano pra cá, andei muito, conheci pessoas e lugares. Assim, já encuquei com diversas outras possibilidades de plano para a vida futura. No entanto, em verdade, digo: poucas delas me dariam tanto prazer quanto aquela antiga idéia. E C`est fini .   
Texto e Fotografia: Victor Uchôa
Arquivo de 2008