Estou sentado de frente para uma fonte do Jardim de Luxemburgo, no centro de Paris, quando um grupo de oito japoneses estaciona na minha vista. Pelas minhas contas, tiram 348 fotos iguais em menos de dois minutos, numa rotação frenética de câmeras de última geração.
Os japas
seguem seu caminho e então consigo ver crianças
brincando com pequenos barcos de madeiras no lago em volta da
fonte. A técnica é simples: colocar o barquinho na água, empurrar
com um pedaço de pau e correr em volta da fonte acompanhando o
percurso da miniatura, enquanto se solta estridentes gargalhadas.
Aquelas crianças poderiam estar de frente para um aparelho
eletrônico qualquer de última geração, mas preferem o jardim e os
barquinhos. E eu prefiro vê-las brincando a ver japoneses tirando
fotos sem nem parar para observar à olho nu o que estão
registrando.
Agora caminho pelo Champ de Mars,
um vasto campo gramado
que conduz até o pé da Torre Eiffel. Ali, centenas de crianças,
acompanhadas por auxiliares escolares, lancham tranqüilas e
sorriem com sinceridade. Os mais ativos pegam os sanduíches dos
tímidos e saem correndo, só para perturbar - eu fazia isso. As
meninas sentam juntas e não dão vez aos gaiatos, que fazem poses
esdrúxulas e caretas para as fotos. O certo é que nenhum deles dá
bola para o fato de logo adiante estar o monumento mais visitado
do mundo. Turistas de todo canto cansam as pernas em filas
intermináveis para subir na torre, sem perceber que a verdadeira
beleza podia ser vista embaixo, e não de cima.

Continuo caminhando e chego ao Trocadêro, de onde posso ver a
Eiffel por inteira, sem filas e sem prédios empresariais na
frente. Um casal norueguês pede que eu faça uma foto sua com as
filhas pequenas, a torre de pano de fundo. As meninas estão
alegres e eu fotografo, mas elas querem sair logo dos braços dos
pais. O objetivo é descer escorregando, quantas vezes for
possível, uma rampa de menos de dois metros - o acesso para
deficientes físicos - que vira parque de diversões.
Ao lado do Trocadêro está o Museu do Homem, uma viagem fabulosa
pela evolução histórica do ser humano, do ponto de vista
biológico, etnológico e social. Invisto um bom tempo ali dentro.
As pequenas norueguesas não precisam disso. A evolução de suas
histórias está apenas no início.
Já no Jardim de Tuileries, a 300 metros do excessivo acervo do
Museu do Louvre, topo com aquilo que considero a maior obra-prima
da humanidade: crianças jogando futebol sem compromisso. Alguns
são bem brancos, uns algo árabes e outros muito negros. Os negros
têm maior intimidade com a bola e controlam a pelota com mais
destreza que os brancos. Esses ocupam o espaço de jogo de forma
mais equilibrada. E assim, sem tática ou muitas regras, cada um
com seus méritos, eles brincam com liberdade e fazem o jogo da
bola em pé de igualdade. Oxalá descubram cedo a
fraternidade.

Faz algum tempo - mais de um ano -, escrevi numa dessas ladainhas
uma idéia de plano para o futuro. Consistia em, diariamente,
quando o sol começasse a baixar e o céu avermelhasse, ficar
sentado num campo gramado na companhia de dois ou três grandes
amigos e um grande amor. Naquele campo, várias crianças se
reuniriam para jogar bola, empinar pipa, pular elástico, brincar
de amarelinha, enfim, para fazer todo tipo de coisa que toda
criança deveria fazer o tempo todo durante toda a infância. O
problema é que ao final do campo existiria um enorme precipício,
daqueles que não se vê o fundo e quem tenta olhar lá pra baixo,
perde o prumo. Então eu ia ficar ali, só observando as crianças
brincarem. Quando alguma, mais desatenta, se aproximasse do
precipício, um dos "grandes" iria detê-la, dar um sopro no
umbigo, uma mordida na bochecha e mandá-la de volta pra
brincadeira. Pois, era o que eu ia fazer diariamente.
De um ano pra cá, andei muito, conheci pessoas e lugares. Assim,
já encuquei
com diversas outras possibilidades de plano
para a vida futura. No entanto, em verdade, digo: poucas delas me
dariam tanto prazer quanto aquela antiga idéia. E C`est
fini
.
Texto e Fotografia: Victor Uchôa