O UMdicas foi falar com José Precioso, Prof. do Departamento de Metodologias da Educação, um dos mais enérgicos activistas anti-tabaco e dirigente da Associação para a Prevenção e Tratamento do Tabagismo.
O que os donos de estabelecimentos comerciais
pensam
acerca da nova lei
O que os alunos da UMinho
pensam
acerca da nova lei
UMdicas- Sendo dirigente da Associação para a Prevenção e
Tratamento do Tabagismo e activista anti-tabaco, qual a sua
opinião sobre a
nova legislação (Lei n.º 37/2007, de 14
de Agosto)? O que o motiva como propulsor deste
movimento?
José Precioso -
Sobre a Lei n.º 37/2007 acho que
é globalmente positiva. Abarca praticamente todos os aspectos
relacionados com a problemática do tabagismo, a saber: a
prevenção, o tratamento e a protecção
. O aspecto em que
a lei é mais relevante, e com maior impacte em termos de saúde
pública, é na protecção do direito dos não fumadores a respirarem
uma atmosfera livre de fumo do tabaco. No entanto, neste aspecto
a lei devia ser mais rigorosa e mais clara. A possibilidade que a
lei confere de criação de zonas para fumadores em determinados
estabelecimentos da restauração e diversão, e as condições a que
estas zonas devem obedecer, veio criar uma certa confusão. Em
rigor esta legislação não permite (como devia ser assumido pelos
responsáveis pela saúde) a criação de espaços para fumadores em
restaurantes, bares e discotecas.
A
fundamentação é esta: a lei obriga a que estas zonas tenham
sistemas de extracção do ar de tal forma eficazes, que removam os
poluentes do ar de forma a não colocar em risco a saúde dos não
fumadores, e principalmente dos trabalhadores. Contudo sabe-se
que por um lado, nenhum sistema de extracção remove completamente
o fumo do tabaco, ou qualquer outro poluente, e por outro lado, a
OMS diz que em relação ao tabaco, ainda não se conhece nenhum
valor mínimo de segurança. Por estes motivos a única forma de
cumprir a lei à risca é não criar zonas de fumadores. Foi pena
que o parlamento tenha complicado a lei, ignorando os apelos do
sector da saúde e cedendo a interesses ligados a vários sectores.
Não houve coragem como houve noutros países como a Irlanda, o
Reino Unido, a Itália, a França, etc. Ali não houve excepções
para ninguém e as pessoas cumprem, como nós cumpriríamos.
UMDicas: Como militante anti-tabaco e professor
universitário como vê a aplicação da nova legislação, no espaço
nacional e na UMinho. Sobre esta nova Lei, tem notado mudanças
efectivas na UM?
J.P-
Existem várias estratégias para avaliar o
cumprimento da lei. Uma delas consiste na medição da nicotina no
ar em vários locais. Foi feita uma pré determinação (antes da
aplicação da lei) e em Dezembro de 2008 será feito um
levantamento da qualidade do ar na fase do pós lei. Aí veremos se
a qualidade do ar melhorou, o que nos fornecerá evidências sobre
o cumprimento da lei. Outra forma de medir o cumprimento da lei,
é através de estudos do tipo observacional. Baseia-se na recolha
dos seguintes elementos: sinalética, pessoas a fumar; cheiro a
fumo, pontas de cigarros no chão, presença de cinzeiro, entre
outros. A amostra incluiu 15 cafés/pastelarias; 6 restaurantes
com mais de 100m2; 6 com menos de 100 m2, e 4 discotecas/pubs, de
três cidades Portuguesas. Os resultados preliminares deste estudo
indicam um elevado cumprimento em cafés e restaurantes, nas
discotecas há problemas. Na UM fizemos medições sobre a qualidade
do ar e havia contaminação do ar pelo fumo do tabaco
principalmente no Haal, junto ao bar do CPI e no bar do CPII. Em
Dezembro veremos se a situação melhorou. No entanto uma
observação do tipo naturalista, mostra que a lei está a ser
respeitada.
UMDicas: São públicos alguns estudos seus sobre esta
matéria - tem conhecimento se esses estudos foram analisados
ou foi consultado pessoalmente na elaboração desta Lei?
J.P-
Os estudos que fizemos no âmbito da
avaliação da lei espanhola contra o tabaco, permitiram-nos medir
a exposição ao fumo do tabaco em locais públicos, em locais de
trabalho de empresas, na universidade, nos cafés, restaurantes e
bares/discotecas. Os valores encontrados nos restaurantes e nas
discotecas eram elevados. Estes resultados foram divulgados em
jornais e revistas científicas, e penso que foram tomados em
conta pelos responsáveis pela saúde. Tudo o que temos investigado
e escrito sobre prevenção, não temos a menor dúvida, que foi
tomado em conta pelo legislador. Não é por acaso que a lei tem um
artigo especial para a necessidade da Prevenção do Tabagismo nas
Escolas. Embora não tenha sido consultado directamente,
participei no debate sobre a lei durante o período de discussão,
pois a APTTB faz parte da COPPT que emitiu pareceres, muitos
deles enviados por nós em nome colectivo ou individual. Destaco o
papel do Dr. Manuel Macedo, médico pneumologista do Hospital de
S. Marcos, e Presidente da APTTB, que foi pioneiro na abertura
das consultas de tratamento de fumadores e deu um forte impulso
para que a lei contemplasse a necessidade de oferecer tratamento
aos fumadores e consequentemente incorporasse recomendações para
que os Centros de Saúde as criassem.

UMDicas: Acha que o exemplo espanhol foi devidamente
analisado para o caso português?
J.P-
Para evitar o erro dos espanhóis, que
contemplaram a criação de zonas para fumadores, a nossa lei
tentou, e conseguiu, dificultar a criação de cafés, restaurantes
para fumadores, e é muito exigente em relação à criação de
espaços para fumadores na restauração. Diria que evitamos repetir
os erros dos espanhóis. Podia contudo ir-se mais além para evitar
as confusões que as excepções criaram, ou seja, proibir o consumo
em todos os espaços fechados no sector da hotelaria e diversão
(incluindo os casinos).
UMDicas: Qual a sua opinião a alguma contestação que tem
existido aquando da sua entrada em vigor? Acha a Lei drástica ou
excessivamente zelosa?
J.P-
A contestação resulta do mito que a lei vai
prejudicar o negócio. Não é verdade. Nos países onde a lei já foi
aplicada, com maior severidade, como por exemplo na Irlanda, não
se registaram quebras no negócio, antes pelo contrário. É natural
que os restaurantes atravessem em 2008 quebras no negócio mas
isso nada tem que ver com a lei do tabaco, mas sim com a crise. A
lei conforme já referi é, ao pretender ser benevolente com os
fumadores, um pouco confusa e pode dar origem a algumas
prevaricações. Os portugueses são tão cumpridores como os
cidadãos de outros países, desde que as leis façam lógica.
Ninguém pode obrigar um fumador a parar de fumar; mas ele/a
também não nos pode obrigar a fumar o seu cigarro, que contém
cerca de 50 substâncias cancerígenas. E isto só pode acontecer
num local, no exterior.
UMDicas: Pensa que este foi o melhor momento, ou o
momento oportuno para a entrada em vigor desta lei?
J.P-
Acho que podíamos ter sido pioneiros. Já o
fomos em relação à abolição da publicidade ao tabaco e na
proibição de fumar em recintos desportivos fechados. Este passo
podia e devia ter sido dado há mais tempo.
UMDicas: Os empresários reclamam que a lei começou a ser
aplicada quando ainda existiam muitas ambiguidades. O que pensa
disto?
J.P-
Têm razão. O parlamento aprovou uma lei com
artigos muito confusos e de difícil interpretação. Deviam ter
feito uma lei mais clara, sem excepções. Seria mais fácil
cumprir. Com este articulado, fazem crer aos proprietários que se
colocarem sistemas de extracção estarão a cumprir a lei, mas é
puro engano. Não são conhecidos sistemas que removam a poluição
provocada pelo tabaco para níveis seguros. Além disso, conforme
já disse, esse limite ainda não foi definido pela OMS.
UMDicas: Se lhe pedissem a sua opinião como perito, quais
seriam para si as linhas gerais duma Lei anti-tabaco?
J.P-
Tornava a lei mais restritiva. Retirava as
excepções da lei. Fumar, só ao ar livre. É a única forma de não
obrigar os não fumadores a fumar o cigarro dos outros. Reforçava
a vertente de proibição de fumar nos automóveis, e quem sabe nos
domicílios. O fumo ambiental do tabaco é especialmente
prejudicial às crianças. Se os pais fumarem no veículo e em casa,
como ficarão os pulmões (e não só) de uma criança. Fumar fora de
casa é um pequeno passo para o pai/mãe fumador/a, e um passo de
gigante para a melhoria da saúde do filho.
UMDicas: A Lei é descrita como "um marco na promoção da
saúde pública e confere uma nova dimensão jurídica à cooperação
internacional em matéria de saúde". O que julga realmente ser
possível atingir com esta legislação e a sua corrente
aplicação?
J.P-
É talvez o maior contributo para a saúde
pública que se deu no mundo ocidental nos últimos anos. É
semelhante ao que se deu ao nível da disponibilização de água
potável às populações. O que se irá conseguir com esta lei, é uma
enorme melhoria da qualidade do ar ambiente. Em segundo lugar,
deixa de haver o incómodo causado pelo fumo do tabaco. Penso que
ajudará a reduzir a prevalência de fumadores, e assim trará
enormes ganhos em saúde dos portugueses. Mas a lei por si não e
tudo. É preciso passá-la do papel à prática. Criar consultas de
desabituação, fazer muita Educação para a Saúde nas escolas, etc.
Acho que o movimento global contra o tabaco devia ser indicado
para o Nobel da Medicina, pelo impacto que o combate ao tabagismo
tem em termos de saúde pública e individual.
UMDicas: Acha que esta Lei vai levar muita gente a deixar
de fumar? Porquê?
J.P-
Acho que sim. Há a fundamentação científica
que apoia esta convicção. Nos países onde estas leis já foram
aplicadas há bastante tempo, como nos EUA e no Canadá, a
prevalência de fumadores desceu. Por outro lado, a aceitação
social do tabaco vai diminuir. Como a aceitação social de um
determinado comportamento, é um factor que está relacionado o
início e a continuação do mesmo, penso que se fumar for visto
como socialmente inconveniente, muitos jovens não começarão, e
muitos fumadores irão abandonar. Além disso, neste momento há
mais dificuldade em fumar, o que pode levar algumas pessoas a
abandonar para não passarem pelo incómodo de vir fumar para a
rua. No entanto é preciso dar resposta aos fumadores ajudando-os
a parar. Não devem ser olhados como delinquentes. São apenas
pessoas dependentes de uma droga que é a nicotina.
UMDicas: Que medidas estão a ser projectadas para a
academia para que hajam cada vez menos fumadores no
campus?
J.P-
Já falei informalmente com o Doutor
Fernando Parente sobre isso, e um dia havemos de lançar uma
campanha do tipo: Não fumar é o que está a dar. No entanto ele
com a dinamização do desporto, já dá um enorme contributo à
prevenção do tabagismo. Sabemos que quem pratica desporto fuma
menos que os que não o fazem.
Acho que deve ser divulgada a consulta de apoio ao fumador que
creio existe no IEP, (se não existe formalmente há uma pessoa com
formação para lidar com isso).
UMd- Em termos de futuro o que prevê em relação ao
tabagismo?
J.P-
O futuro são as crianças, e foi a pensar
nelas que delineamos o projecto Domicílios sem
fumo.
Com o objectivo de proteger as crianças do
fumo ambiental do tabaco no domicilio, a Associação para
a Prevenção e Tratamento do Tabagismo de Braga
, em
Colaboração com a Direcção Regional de Educação do Norte -
Delegação de Braga, e a Câmara Municipal de Braga, estão a
desenvolver o Programa Domicílios Livres de
Fumo
. O objectivo é proteger as crianças desta agressão,
promovendo a criação de domicílios livres de fumo, ou seja,
garantir que os pais/mães não fumam e/ou não permitam que se fume
em casa e no carro. Como estratégia para envolver os pais dos
alunos, foi dada formação aos Coordenadores de Educação para a
Saúde de todos os agrupamentos de Escolas de Braga, sobre
tabagismo activo e passivo e sobre métodos e técnicas para que as
crianças tentem persuadir os pais a não fumarem e/ou permitirem
que se fume em casa. No fundo trata-se de capacitar os alunos a
protegerem-se desta agressão. Estes Professores tinham como
missão envolver os Professores do Primeiro Ciclo na implementação
do Projecto, aos alunos do 4º ano.
A luta contra o tabaco nas suas várias frentes irá continuar. Ao
nível da prevenção iremos perceber porque é que as raparigas
estão a fumar mais e tentar controlar os factores de risco; ao
nível da protecção iremos focar a nossa atenção no cumprimento da
lei actual e na protecção das crianças. É preciso ser mais
ambicioso e começar a atacar a indústria ligada ao tabaco, como
já fazem muitos activista de outros países, afinal são a causa da
epidemia. Se não houvesse tantos interesses económicos em jogo,
não havia produção de tabaco e consequentemente fumadores. É ao
nível da oferta de tabaco que os governantes devem começar a
actuar. Nós, os activistas temos que os forçar a isso. É por isso
que existimos. Para empurrar as boas causas para a frente.
O tabaco é a primeira causa isolada de morte no mundo
ocidental, estima-se que morram em todo o mundo cerca de
5.000.000 pessoas. Isto sem contabilizar as mortes atribuíveis à
exposição ao fumo ambiental do tabaco. O tabagismo é responsável
por cerca de 90% das mortes por cancro de pulmão, 90% das mortes
por DPOC (Doenças Pulmonares Obstrutivas Crónicas) e por cerca de
25% dos enfartes agudos do miocárdio. Face a este panorama não
podemos ficar indiferentes.
Texto: Ana Marques
Fotografia: Nuno Gonçalves